quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Caleb em grande entrevista n' O Jogo


Por Ana Proença

Caleb Patterson-Sewell nunca viu a Casa dos Segredos, mas ficou chocado quando, há dias, lhe contaram que uma concorrente do programa da TVI apontara África como um país da América do Sul. O guarda-redes do Atlético gosta de se manter informado e ainda recentemente leu uma biografia de George Bush, onde soube da existência da Base Aérea das Lajes, nos Açores, como importante ponto de apoio para as Forças Armadas norte-americanas.
"Esse livro referia o apoio dado por Portugal e pelo seu primeiro-ministro às políticas de George Bush. Achei interessante", refere o jogador de 24 anos, enquanto bebe uma Coca-Cola, a olhar o mar no Hotel Farol Design, em Cascais. "Assim que terminarmos a entrevista tenho de ir para casa arrumar e limpar o meu quarto. Eu e o Hugo [López] arranjámos uma empregada, mas ao segundo dia já não apareceu", afirmou com risadas.

Chegou dos Estados Unidos há quase quatro meses. Já sabe dizer alguma coisa em português?
Ando a ver se aprendo com uns CD de brasileiro [risos]. Só sei dizer 'direita, esquerda, para trás, para a frente, ganhar..." Vim viver para Cascais e, na verdade, isso não está a ajudar, pois aqui toda a gente fala comigo em inglês. Mas já entendo mais ou menos uma conversação em português. Pelo menos já não faço figura de parvo...

Não entrou em pânico quando chegou a Portugal?
Embora os treinadores do Atlético falem inglês, fiquei assustado nos primeiros jogos, porque não entendia nada do que me diziam. E os colegas deviam achar que eu era maluco, pois fartava-me de gritar em inglês. Além de que nos primeiros dias me senti muito cansado e queria agradar.

Teve vontade de voltar para casa...
Não escondo que os primeiros dias foram muito difíceis. Não conseguia perceber o que se passava à minha volta, não conseguia ler jornais, nem entender sequer se as pessoas estavam a gostar de mim. Mas, estando tão sozinho, foi também quando descobri muito acerca de mim próprio.

Lembra-se onde estava quando lhe falaram da possibilidade de vir para o Atlético?
Estava à beira da piscina, na minha casa nos Estados Unidos. Desliguei o telefone e corri para o computador a "googlar" o nome do clube. Epá! E fiquei um tanto desorientado; não encontrei praticamente nada, muito menos algo que pudesse entender. Eu só pensava 'mas onde é que eu me vou meter...' O meu empresário [ndr: Filipe Dias] disse-me que se tratava de um clube histórico de Portugal, onde teria oportunidade de jogar. Eu pedi-lhe mais tempo para pensar e continuei a procurar na internet, até ao YouTube fui (risos) e nada... Mas acabei por aceitar. Tinha propostas de clubes de primeira liga, onde seria segundo guarda-redes. Em dois dias estava a viajar para Portugal.

Estava a jogar numa equipa norte-americana (Carolina RailHawks). Calculo que tenha vindo receber menos dinheiro para aqui?
Sim. Mas neste momento não me interessa o dinheiro. A prioridade era regressar à Europa e vir para uma equipa onde pudesse jogar. Espero recuperar o dinheiro que estou a perder agora com a transferência para um clube maior. Portugal e a Liga Orangina são uma boa montra.

A propósito, o Atlético é um clube pobre. Tem cumprido as suas obrigações?
Sim. Tudo certinho.

E a questão de terem de viajar no mesmo dia dos jogos fora?
Claro que gostávamos de ir na véspera e ficar no hotel a relaxar até à hora do jogo. Mas estas são as condições que temos e não serve para nada andarmo-nos a lamentar. Temos de ser realistas e não arranjar desculpas. Assim, as vitórias até sabem melhor. Todos os dias, depois do treino, tomo um banho quentinho no balneário do estádio e isso chega-me.

Está a viver sozinho em Cascais??
Estou a viver com o Hugo López [médio espanhol do Atlético]. E o Tony Taylor [avançado norte-americano] é nosso vizinho, ainda esta manhã fui jogar ténis com ele.

Arrisca lesionar-se...
[risos] Só estivemos a bater umas bolas, uma coisa leve, para nos mexermos um pouco, caso contrário ficávamos em casa o dia todo.

Joga bem? Poderia, por exemplo, ter sido tenista em vez de futebolista?
Tenista não, mas jogador de críquete sim. Joguei a alto nível na Austrália, mas optei pelo futebol. Para se ganhar realmente dinheiro no críquete tem de se ir para a selecção nacional, o que é muito difícil e para jogadores, habitualmente, acima dos 28 anos.

Acha que se não tivesse jogado críquete, seria pior guarda-redes?
[risos] Talvez. A verdade é que o críquete é muito técnico, exige muita paciência, tal como a posição de guarda-redes. Pratiquei muitos desportos diferentes e acho que todos ajudaram: o golfe, o basquetebol, o râguebi...

E o futebol? Quando entrou na história?
Já tarde, com 11 anos. Um pequeno clube da terra onde vivia na Austrália [Gatton] andava à procura de jogadores e o meu melhor amigo convenceu-me a ir fazer um treino. Nem gostei muito. Joguei a lateral-esquerdo, eu que nem canhoto sou. Mais tarde voltaram a insistir e fui fazer testes a uma equipa maior. Fui testado a várias posições e o engraçado foi que o treinador dava palmadinhas nas costas dos candidatos quando não gostava de os ver a jogar em determinada posição. Só parou de bater nas minhas costas quando fui para a frente da baliza [risos].

Foi para o Anderlecht, sua primeira equipa na Europa, com apenas 16 anos...
E tornei-me profissional no ano seguinte, ainda júnior, no Liverpool. Apesar da Austrália e dos EUA não terem grande tradição de futebol, têm fama de formarem bons guarda-redes. Portanto, tenho alguns créditos...

Artur é de ficar de boca aberta

Helton, Artur e Rui Patrício. Qual o impressiona mais?
Sem dúvida o Artur, do Benfica. Faz defesas incríveis, é de ficar de boca aberta. Ao mesmo tempo, identifico-me mais com ele do que com os outros. É um guarda-redes mais estável, mais confiante e sereno. O Helton também é muito bom, mas tem um estilo mais acrobático, mergulha mais. Quanto a Rui Patrício, ainda é um guarda-redes jovem, está a passar um bom momento, e penso que não ficará no Sporting por muito tempo. Mas gostaria de referir também o Diego Silva, do Vitória de Setúbal. Acho-o fantástico. E garanto que não o conheço pessoalmente [risos].

E jogadores de campo a actuar em Portugal? De quem gosta mais?
Do Hulk. É um jogador fabuloso e irá para um clube ainda maior. E também do Aimar, que já está mais velho. Via-o jogar quando era mais novo. É muito táctico, gosto.

Barriga cheia terá em Inglaterra

O que seria para si chegar ao topo da carreira?
Se, um dia, fosse jogar para a Premier League, para o Arsenal ou para o Manchester United, e ganhasse títulos por essas equipas inglesas, então, nessa altura, acho que iria pensar 'epá... estou de barriga cheia'.

E não pensa em chegar à selecção australiana? Ou será a dos Estados Unidos?
Podem ser as duas, pois tenho dupla nacionalidade e nunca representei nenhuma. Na hora certa, se chegar, pensarei nisso. Mas acho que será mais fácil representar a Austrália, porque Schwarzer está em final de carreira.

Percurso singular entre três continentes

A mãe de Caleb Patterson-Sewell é australiana - cabeleireira e maquilhadora de actores e cantores - e o pai norte-americano - psicólogo junto de crianças abandonadas. O guarda-redes nasceu nos Estados Unidos e, aos dois anos, foi para a Austrália, para a costa Este, onde cresceu e de onde só partiu aos 16 anos, para jogar no Anderlecht, da Bélgica. Pouco tempo depois, foi para o Liverpool e daí regressou à Austrália, onde representou os Toowoomba Raiders e os MT Gravatt Hawks. Em 2007 partiu para os Estados Unidos, tendo representado diversas equipas. A mais sonante foi o New York Red Bulls. Chegou a Portugal em Julho. Caleb tem um percurso insólito, mais ainda tendo em conta a globalidade dos futebolistas que actuam em Portugal. Isso nota-se na sua conversa fluida e vivida. Perguntei onde se sentia mais em casa? "Acho que quando me reformar regresso à Austrália. Lá vive-se mais devagar..."

Comer saudável é fácil em Portugal

Caleb diz que é fácil comer de forma saudável em Portugal, coisa que não acontecia, de todo, nos Estados Unidos. "Era muito difícil fazer isso lá. Aqui pode-se comer peixe, boa carne ou legumes diversos em qualquer lugar e hora", afirmou, explicando que, em relação aos cuidados dos jogadores com o seu corpo, não existem muitas diferenças entre os dois países. "Cada jogador tem as suas preocupações. Eu tento comer bem e faço alongamentos em casa, quando estou a ver televisão", disse. E por falar em casa, Caleb tem ar de playboy, mas no que toca às lides domésticas, é uma verdadeira fada do lar. "Ainda na noite passada, fiz bife com molho de tomate e manjericão. O Hugo [López] até goza comigo, diz que cozinho como uma rapariga. A minha mãe sempre me ensinou a cozinhar, limpar e passar a ferro para não ter de depender de ninguém. Obrigado, mãe."

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